Do dia em que não virei livro

Esse texto é sobre como minha vida é desinteressante demais para virar um capítulo de livro. Não tem metáfora não, é isso aí mesmo. Entrei no uber em silêncio, como sempre. Eu sou simpático, peço licença, dou bom dia, falo do tempo, tudo pra manter um ambiente amigável onde eu possa aproveitar meu silêncio. Não sou muito de puxar papo com quem não conheço, até admiro a capacidade de quem consegue manter uma conversa legal com estranhos, criar amizades. De certo por isso tenho poucos amigos. Mas naquele dia eu quis inovar. Não tinha pandemia ainda, eu estava numa cidade diferente e iria fazer uma coisa pela primeira vez. Era algo que me deixava nervoso, cheio de expectativa, e então uma coisa estranha aconteceu: senti vontade de conversar.

Fui além da simpatia habitual, perguntei da vida do motorista, se ele era daquela cidade, se era motorista há bastante tempo. Ele me contou que era motorista há um ano, que por muito tempo trabalhou em uma empresa muito bem sucedida, mas que encheu o saco, pegou uma grana guardada e decidiu que iria escrever um livro. Sem saber o que escrever, decidiu que o assunto do livro seria a vida dos passageiros dele, porque ele ia virar motorista de uber. E o livro estava indo bem, há um ano ele viajava de um lado para outro, colecionando histórias interessantes, algumas ele até me contou. Aprendia sempre com os passageiros, ele disse, com suas histórias de vida, e cada uma ia se tornando um capítulo. Faltava pouco pra fechar o livro. Fiquei interessado, disse que achei legal, fiz perguntas, e a conversa foi indo nessa direção. E só nessa direção. Já no meio do caminho, me perguntei se ele iria querer saber da minha história também. E ela não é tão interessante assim, mas naquele dia era, eu ia fazer algo que poderia mudar o rumo da minha vida. Naquele dia eu teria o que falar. Mas o tempo foi passando, meu destino se aproximando, e nada de o moço querer me transformar num capítulo de livro. Fui ouvindo e ele foi falando. Não perguntou minha idade, nem o que eu fazia da vida, nem o motivo de eu estar naquela cidade, chamando um uber de um hotel para um lugar um tanto inusitado para aquela época do ano e para aquela cidade. Quem vem pra cá pra ir pra onde você tá indo? Ele não ficou curioso o suficiente para querer perguntar. Aliás, meu nome ele só soube porque aparece no aplicativo, mas deve ter esquecido. Não virei um capítulo do livro dele, veja a ironia, e ele virou um texto meu. Desejei sucesso no livro, ele não desejou sucesso no que eu iria fazer logo mais, porque nem chegou a saber o que era.

Por causa disso, meu texto vai terminando assim mesmo, sem ninguém saber onde eu estava, o que fui fazer e se tive sucesso. Tudo porque o rapaz do uber olhou pra minha cara e decidiu que de mim não sairia uma história interessante pra virar um capítulo no livro dele. E geralmente nem tenho coisa interessante pra falar mesmo, mas sabe que nesse dia eu tinha? Que pena. Motorista do uber que lançou livro, espero que um dia você leia esse texto e fique morrendo de curiosidade de saber da minha história daquele dia, aquela história que você perdeu e que, quem sabe, poderia dar um temperinho especial no seu livro. E eu não vou te contar nem se você me perguntar. Nem pra você e nem pra ninguém. Esse é meu protesto pessoal, com ares de criança mimada que diz que não quer mais fazer o que ia fazer porque perdeu a vontade. Pois bem, minha história é tão desinteressante assim, a ponto de alguém que trabalha coletando histórias de desconhecidos não se dignar a querer saber? Então ninguém vai saber. E o pior é que eu geralmente não tenho nada interessante pra contar mesmo, mas naquele dia eu tinha.